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#ArquivoCVBMG | O jogo beneficente que acabou após um gol de Chico Buarque
Em 1980, atletas consagrados e músicos famosos entravam em campo por uma causa humanitária
Apelidado pelos jornais da época como “Pelada Musical”, aconteceu no Estádio do Independência, na tarde de domingo, 7 de dezembro de 1980, um jogo beneficente que reuniu cerca de 20 mil pessoas na capital mineira. A partida, que arrecadou um valor líquido de Cr$1.294.300,00, destinou 60% da renda para a Cruz Vermelha Brasileira Afiliada Minas Gerais e 40% para a causa humanitária dos povos indígenas Krenaks, no Norte de Minas.
Para Chico Buarque, um dos astros daquele jogo histórico, “quase todo cantor ou compositor brasileiro que gosta e pratica futebol sente-se frustrado por nunca ter a oportunidade de entrar num campo de verdade e ser aplaudido pela torcida.” Porém, para vários deles, aquela foi a ocasião de transformar o sonho em realidade. Ou no caso de Chico, em gol.
Como surgiu a iniciativa do jogo beneficente
Da ideia ao último lance em campo, todo o mérito deve ser dado ao ídolo do futebol mineiro Reinaldo. À época, ele já era um dos grandes nomes do esporte, e defendia as cores alvinegras do Atlético Mineiro. Foi quando teve a iniciativa de promover uma partida beneficente para contribuir com a Cruz Vermelha, que tinha naquele ano, 5 andares desativados da sua sede.
Para tornar ainda mais grandiosa a sua ação, Reinaldo também pensou em uma forma de inserir a luta do povo indígena Krenak, que sofria com a migração no município de Carmésia, no Norte de Minas. Segundo informações, naquele ano, eles caminharam por 95 dias até conseguirem retornar para a Fazenda Guarani, terra originária da etnia.
E em uma jogada de gênio, uniu as duas causas e vestiu a camisa da solidariedade para entrar em campo. Mas faltava montar o time e escolher o adversário.
Músicos e atletas famosos compuseram as duas equipes da partida
O primeiro atleta a apoiar a iniciativa de Reinaldo foi Sócrates, ídolo da torcida do São Paulo e que jogava, em 1980, no rival Corinthians. Com o aval de um outro nome importante do futebol, ficou fácil convidar mais celebridades para a partida. Contudo, a lista envolveu vários músicos famosos da música brasileira.
A escalação completa ficou da seguinte forma:
Time sob comando de Sócrates, representando a CVB-MG
Raul, Roberto, Sócrates, Valença, Alexandre e João Nogueira; Fagner, Tunai e Laudir; Ronaldo Bastos, Wagner Tiso e Marcos Kilzer. Ainda entraram Geraldo, Nelinho, Getúlio, Cerezo, Éder, Luizinho, Celso Adolfo, Júnior e Piazza.
Time sob comando de Reinaldo, representando os Krenaks
Otávio Marão, Reinaldo, Osmar, Marcus Vinícius e Marcelo; Fernando Brant, Chico Buarque e Gonzaguinha; Toninho Horta, Lô Borges e Gonzaga. Ainda jogaram, Paulo Isidoro, Tavinho Moura, Juarez, Dario, Djavan, Zé Geraldo, Murilo Antunes, Moraes Moreira, e outros.
O time de Sócrates, representando a Cruz Vermelha Brasileira Afiliada Minas Gerais venceu por 5 a 2, mas o resultado foi o que menos importou em uma tarde repleta de emoção e com foco na ajuda humanitária.
Como foi a partida: gols e entusiasmo da torcida terminou o jogo antes do tempo regular
O jogo, como toda festa, começou com atraso de 50 minutos. Isso porque os convidados aproveitaram o momento pré-partida para comemorarem e trocarem abraços e risadas no vestiário. Reinaldo sorteou os dois times minutos antes da bola rolar.
Sem qualquer falta marcada pelo juiz José Avelar de Figueiredo, o primeiro grande destaque foi o cantor e compositor cearense Fagner. Aos 10 minutos, ele recebeu um passe de Sócrates pela ponta-direita, ganhou de um adversário na corrida e tocou de leve na saída do goleiro, sendo muito aplaudido pela torcida presente.
Os Krenaks empataram aos 35 minutos do primeiro tempo, em chute fora da área do botafoguense Marcelo. Fagner desempatou em seguida, após um chute forte de Sócrates, onde ficou com o rebote. Em alguns momentos, como no início do segundo tempo, havia 14 jogadores no time de Sócrates e 13 no de Reinaldo. Mas a festa continuava a ser o mais importante.
Aos 7 minutos do tempo complementar, Celso Adolfo marcou o terceiro gol, em bela jogada. Aos 15 minutos, Dario recebeu um passe de Sócrates e ampliou o placar. Aos 20, foi Sócrates que marcou o seu, chutando de virada após receber a bola.
Por fim, aos 25 minutos, o time de Reinaldo validou o resultado final, em um lance onde Paulo Isidoro escapou pela direita, cruzou forte e Chico Buarque ajeitou com categoria para que Reinaldo pudesse apenas tocar de leve. Os jornais da época, inclusive, se dividiram entre quem foi o verdadeiro autor do gol, mas para a torcida, não importou.
Após a jogada, houve uma invasão no campo da maior parte da torcida, que contava com um número significativo de mulheres, tanto pela causa quanto pela presença de ídolos da música e do esporte. E a partida terminou, com a mesma alegria com que foi planejada e realizada.
Pelada Musical entrou para a história da CVB-MG
Após a partida, Reinaldo explicou para os jornais e rádios que a arrecadação havia sido um sucesso e que seria destinada à reativação de, pelo menos, um andar do Hospital da CVB-MG. A outra parte, teria distribuição entre as tribos Krenaks e Machacalis.
Chico Buarque fez questão de lembrar que Reinaldo era “um jogador acima da média, como todos sabem”, enquanto Dario, por sua vez, afirmou que se considerava um artista. Gonzaguinha encerrou todas as entrevistas dizendo que “artista é o povo brasileiro, que vive com tão pouco”.
A CVB-MG recebeu sua parte do jogo beneficente, no valor de Cr$568.658,52 no dia seguinte à partida e, com ele, iniciou as obras de reforma do 2º andar da sede, onde começou a funcionar, um tempo depois, um ambulatório clínico e farmácia, ambos gratuitos.
A parcela destinada aos povos indígenas chegou a ser disputada pela Fundação Nacional do Índio, que era responsável pela gestão de recursos dessa natureza. No entanto, o que ficou de memória para o público presente ainda é impossível de mensurar ou explicar para quem não viveu um dia histórico onde a ajuda humanitária foi consagrada a grande campeã em Minas Gerais.
Importante:
Este conteúdo faz parte de uma série de resgate da memória da CVB-MG e foi construído a partir de documentos oficiais e jornais da época do fato. Possíveis divergências no texto podem acontecer e a instituição se compromete com a revisão ou erratas, caso haja a comprovação factual de uma informação diferente da citada.
*Todos os direitos reservados à CVB-MG. A reprodução do conteúdo deste texto, total ou parcial, é autorizada mediante a citação de fonte e/ou créditos a Comunicação CVB-MG/Wendell Soares
Fontes:
Jornal O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo | Edições de 8 de Dezembro de 1980
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